Artigo do Marcos Cintra – Reforma tributária e movimentação financeira

Proposta a Paulo Guedes não é simples volta da CPMF
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O economista da FGV Marcos Cintra, em foto de 2011 – Robson Ventura – 24.jun.11/Folhapress

20.set.2018 às 2h00.

O portal UOL destacou em sua home que “Economista de Bolsonaro quer unificar alíquota do IR e recriar a CPMF”. Reproduz-se a coluna de Mônica Bergamo publicada nesta Folha em que ela diz que Paulo Guedes afirmou que eu o “convenci” a trazer de volta a CPMF para financiar o INSS.

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a chamada no UOL dá a falsa impressão de que o projeto que apresentei para estudo de Paulo Guedes é simplesmente recriar a CPMF.

Esse tributo foi rechaçado por mim ao longo de todos os anos de sua existência, pois implicou uma deturpação da ideia do imposto único, elevando a carga tributária sem os benefícios da eliminação de outros tributos. A proposta em discussão atualmente é substituir um tributo que pesa significativamente sobre o custo do trabalho no país, algo que compromete a competitividade doméstica e limita a geração de empregos.

Hoje o ônus tributário sobre a folha de salários das empresas é de aproximadamente 35%, considerando a contribuição previdenciária, salário-educação, Sistema “S”, Seguro de Acidente do Trabalho e FGTS. A troca do tributo previdenciário reduziria em mais da metade essa elevada incidência.

Um segundo aspecto que deve ser esclarecido é a falsa ideia disseminada de que tributos sobre movimentação financeira são um mal a ser extirpado da estrutura tributária. Antes vale lembrar que essa forma de tributação foi idealizada em 1990 para ser um substituto dos impostos declaratórios e não para ser um tributo a mais, como foi feito.

Tecnicamente, trata-se de um bom tributo. A experiência mostrou excelente produtividade quando comparada sua baixa alíquota com a arrecadação gerada; seu custo administrativo para o governo e para as empresas foi muito baixo, quando comparado com os tributos tradicionais; há, ainda, a eficiência no combate à sonegação. E estudos mostraram que se trata de um tributo uniforme, e não regressivo, como se afirmava.

Um terceiro ponto a ser enfatizado é que criar e/ou aumentar tributos, quaisquer que sejam, inclusive sobre movimentação ou IVAs, deve ser rechaçado. Elevar a já alta carga tributária não deve ser opção para uma economia que precisa retomar o crescimento e gerar empregos.

Finalmente, é indispensável conhecer o impacto que a substituição do INSS sobre a folha das empresas por uma contribuição previdenciária sobre a movimentação financeira (CP) teria na atividade produtiva, mais especificamente sobre os preços. Para isso, produzi simulações para apurar o efeito sobre 128 setores da economia brasileira.

A metodologia consta no capítulo 2 do livro “Bank Transactions: Pathway to the Single Tax Ideal”, de minha autoria. Tais resultados estão sendo comparados com simulações baseadas nas propostas de reforma tributária de Bernard Appy e do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).

Supondo a substituição dos 20% do INSS patronal sobre a folha de salários por uma CP com alíquota de 0,33%, isso faria com que o peso médio dos tributos sobre os preços dos 128 setores caísse de 14,1% para 1,68%. Comparando o que uma e outra contribuição provoca frente a uma situação hipotética de imposto zero, constata-se um desvio de 1,99% no caso do INSS e de 0,4% com a criação de uma CP.

A substituição do INSS sobre a folha de salários pela CP é o ponto de partida para uma reforma estrutural de grande impacto para o crescimento econômico do país. Tal medida serviria de embrião para uma reforma tributária ampla mais à frente, contrastando com a proposta ultrapassada do IVA, que apenas maquia um sistema de impostos que limita severamente a produção do país e estimula a sonegação de tributos.

Vale destacar que estamos analisando a unificação de vários tributos federais, o que englobaria não só o financiamento da Previdência. Neste caso, a estimativa de alíquota prevista seria de 1,6% ante, por exemplo, os 7,6% da Cofins não cumulativa e a média acima de 10% do IPI.

Marcos Cintra
Doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de economia na FGV (Fundação Getulio Vargas); ex-deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único

Fonte: Folha de São Paulo, 20 de Setembro de 2018